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Ele parou a vida para cuidar da mãe com demência: “Quero viver para ela”

Esta é a história de Renato Paulo, de 39 anos, que sempre teve uma ligação muito forte com a mãe, Maria da Conceição, de 72 anos.

Passados meses de ter sido erradamente diagnosticada com Alzheimer, Maria foi levada para uma casa de repouso.

Com a consciência pesada devido a essa decisão, Renato resolveu pedir a demissão e passar a cuidar dela a tempo inteiro. “Enquanto a minha mãe estiver doente, quero viver para ela e por ela”, explicou.

De seguida, deixamos o testemunho completo de Renato:

“A minha mãe morava em Minas Gerais e uma vez por mês vinha-nos visitar em São Paulo. Nessas visitas, notei alguns comportamentos diferentes nela. Ela, que costumava ser bem ativa, tornou-se confusa, achava que as pessoas na televisão estavam a falar com ela, não conseguia lembrar-se das datas da semana, ficava insegura por sair sozinha e comprava algumas coisas por impulso.

Nessa altura, em 2016, ela tinha 69 anos e ainda estava lúcida. Suspeitei que fosse depressão, levei-a ao neurologista, ele fez um histórico clínico dela e pediu uma tomografia. Depois chamou-me e disse: Renato, a D. Maria da Conceição está no primeiro estágio de Alzheimer.

Nós somos 4 irmãos e eu contei-lhes o diagnóstico, mas eles não deram muita importância. As minhas irmãs sugeriram que eu parasse de trabalhar e cuidasse da nossa mãe com o argumento de eu não ser casado. Eu disse para pagarmos a uma cuidadora para ficar com ela em casa mas não houve acordo.

Como ninguém queria assumir a responsabilidade, uma das minhas irmãs começou a contactar algumas casas de repouso. Durante esse período, a minha mãe ficou a morar provisoriamente comigo e com o meu irmão Paulo, que tem Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC). Eu dizia-lhe para ficar atento ao gás e nunca deixar o portão aberto para a nossa mãe não sair, e para me ligar se houvesse qualquer emergência.

Pensando no bem-estar e conforto da minha mãe, as minhas irmãs colocaram-na numa casa de repouso no dia 6/02/2017. Eu ia visitá-la quase todos os dias, mas no mês de internamento fiquei mal e o meu rendimento caiu bastante no trabalho. Eu era auxiliar de vendas e estava com a consciência pesada.

Sentia que tinha trocado a minha mãe pelo trabalho. Entrei num quadro depressivo, comecei a faltar ao emprego e a não sair da cama para nada. No dia 29 de março, quando fiz 37 anos, uma vizinha entrou no meu quarto e disse: ganha vergonha na cara e faz o que o teu coração está a pedir. Levantei-me da cama, olhei-me no espelho a chorar e a sentir vergonha de mim como filho.

Pensei: a minha mãe sempre cuidou de mim, nunca me deixou, estou aqui com saúde e eu não vou fazer nada por ela? Não, vou abandonar tudo e dedicar-me a ela. Pedi demissão do meu emprego e no dia seguinte tirei-a da casa de repouso e levei-a para minha casa. Ao examinar a minha mãe novamente, um médico disse que a doença progrediu rapidamente durante o tempo em que ela ficou internada e que era como se ela tivesse envelhecido uns 10 anos.

A casa de repouso era um lugar idóneo e seguro onde ela foi bem tratada, mas acredito que piorou pela tristeza de estar longe de casa e dos filhos.

No começo, não foi fácil tornar-me cuidador dela. Fiquei completamente perdido e pedi a Deus para me capacitar. Precisei de me adaptar para atender as necessidades dela e o primeiro passo foi estudar a doença e focar-me na alimentação pois ela estava desnutrida.

Depois encontrei um grupo de apoio a cuidadores de pacientes com Alzheimer, chamado Anjos que Cuidam, no Facebook, o que me deu bastante orientação. Assisti a uns vídeos na internet, recolhi algumas dicas no grupo e aprendi a fazer higienização feminina.

Como homem, no início foi estranho e a minha mãe ficava com vergonha de eu lhe trocar a fralda e dar-lhe banho, mas eu dizia: mãe, deixa de ser tola, sou teu filho já fizeste isto tudo por mim quando eu era criança.

As pessoas ficam impressionadas por me ver a mim, um filho homem, a cuidar da minha mãe. Não é uma situação comum para a sociedade. No começo, os meus vizinhos tinham preconceito, não acreditavam que eu ia conseguir, mas hoje elogiam-me.

Com o passar do tempo, a saúde dela foi piorando. Ela tinha alterações de humor, às vezes sorria e depois fechava a cara do nada e ficava nervosa e agressiva, até mesmo com as pessoas na rua. Quando eu lhe perguntava quem ela era, não sabia responder. Já não conseguia resolver coisas simples do cotidiano, como fazer comida, deixava o arroz queimar, vestia a roupa do avesso e deixou de pagar as contas.

Acabou por perder a fala, só diz “ah” e gesticula com as mãos para tentar comunicar. Anda com dificuldade e é totalmente dependente de mim.

Em 2018, comecei a desconfiar do diagnóstico de Alzheimer, porque o médico trocava a medicação com muita frequência e nada fazia efeito. Decidi procurar a opinião de um segundo neurologista, que pediu novos exames, investigou o histórico dela e a diagnosticou com demência frontotemporal e hidrocefalia.

Durante 2 anos, a minha mãe foi tratada de forma errada para o Alzheimer, e com o tratamento correto ficou estável, embora a doença não tenha cura.

A geriatra aconselhou-me a desfrutar o máximo com ela enquanto ainda posso levá-la a passear, mesmo que seja só de cadeira de rodas, porque vai chegar a altura de ela ficar acamada.

Sempre que posso, saio com ela. Vamos ao parque, ao shopping, a festas de amigos durante o dia. Também tento ter uma vida social dentro do possível – saio às sextas ou sábados, depois de ela adormecer e volto de madrugada antes dela acordar. O meu irmão fica de olho nela.

Perdi completamente a liberdade financeira depois de me tornar cuidador da minha mãe. No início até fiz biscates na antiga empresa em que trabalhava, para ter rendimento. Hoje, o nosso sustento vem da aposentadoria do meu irmão e da minha mãe. O Paulo disse para eu parar de trabalhar e que me ia dar metade do dinheiro dele.

Tenho a tutela definitiva da minha mãe e arco com os gastos de remédios, médicos, roupa e comida com o dinheiro dela. Quando sobra alguma coisa, uso para os meus gastos pessoais, mas mensalmente preste contas a assistente social.

Sinto falta de trabalhar e viajar, já tentei uma vez durante um feriado prolongado – deixei-a na casa de repouso e fui para a praia, mas cheguei lá e só chorava com saudades dela.

Não tenho planos de me casar e ter filhos. Enquanto a minha mãe estiver doente, quero viver para ela e por ela. Hoje tenho a minha consciência tranquila, porque sei que ela está perto de mim. Prometi a Deus e à justiça dar dignidade à minha mãe.”

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