Histórias

Sousa Mendes ajudou milhares de judeus a escapar ao holocausto. Morreu na miséria

Aristides de Sousa Mendes do Amaral e Abranches foi um dos grandes heróis anónimos da Segunda Guerra Mundial. Como cônsul português colocado em Bordéus, França, viu-se confrontado em Maio e Junho de 1940 com a realidade de muitos milhares de refugiados fora do consulado português que tentavam escapar aos horrores da máquina de guerra nazi.

Essas pessoas precisavam desesperadamente de vistos para sair da França, e um visto português permitir-lhes-ia uma passagem segura por Espanha até Lisboa, onde teriam liberdade para viajar para outras partes do mundo.

Portugal, oficialmente neutro, sob o governo ditatorial de Antonio de Oliveira Salazar, emitiu uma diretiva – a infame “Circular 14” – que negava abrigo seguro a refugiados, especialmente judeus, russos e apátridas que não puderam regressar livremente aos seus países de origem.

O ato de heroísmo de Sousa Mendes consistiu em escolher desafiar essas ordens desumanas e seguir a sua consciência. “Prefiro estar com Deus contra o homem do que com o homem contra Deus”, explicou.

Sousa Mendes emitiu milhares de vistos nessa época, com o período de maior intensidade durando cerca de 12 dias, de 12 a 23 de junho de 1940. Esse feito heroico foi caracterizado pelo historiador do Holocausto Yehuda Bauer como “talvez a maior ação de resgate por um único indivíduo durante o Holocausto”.

“Se milhares de judeus estão a sofrer por causa de um cristão [Hitler], certamente um cristão pode sofrer por tantos judeus”, dizia Sousa Mendes.

Pelo seu ato de desafio, Sousa Mendes foi severamente punido por Salazar, destituído do seu cargo diplomático e proibido de ganhar a vida. Ele tinha 15 filhos, que estavam na lista negra e impedidos de frequentar a universidade ou de encontrar um trabalho.

Infelizmente, veio a morrer sem um tostão em 1954, e só em 1988, graças à pressão externa e aos esforços dos seus filhos, o governo concedeu-lhes a exoneração total.

Desta forma, o que antes era uma família ilustre e respeitada – uma das grandes famílias de Portugal – foi esmagada e destruída. A casa ancestral da família, conhecida como “Casa do Passal”, foi tomada pelo banco e eventualmente vendida para cobrir dívidas.

Antes da sua morte, Sousa Mendes pediu aos filhos que limpassem o seu nome e lhe restaurassem a honra da família, e estes fizeram questão de lutar durante décadas para que os feitos do pai fossem reconhecidos postumamente.

O primeiro reconhecimento veio em 1966, de Israel, que declarou Aristides de Sousa Mendes um “Justo entre as Nações”.

Em 1986, o Congresso dos Estados Unidos emitiu uma proclamação a honrar o seu heroísmo. Mais tarde, foi finalmente reconhecido por Portugal, quando o Presidente Mário Soares se desculpou com a família Sousa Mendes e o Parlamento português o promoveu postumamente ao posto de Embaixador.

Sousa Mendes desafiou as ordens diretas do seu governo e mostrou coragem, retidão moral, altruísmo e abnegação, emitindo vistos a todos os refugiados, independentemente da nacionalidade, raça, religião ou opiniões políticas. Mesmo sabendo que enfrentaria duras consequências por seus atos, Sousa Mendes decidiu agir de acordo com a sua consciência e fé católica.

Por esta adesão ao seu sentido de humanidade, Aristides de Sousa Mendes viu-se desamparado numa sociedade que já não reconhecia o seu estatuto diplomático e o proibia de exercer a sua vocação de advocacia para ganhar uma vida digna e sustentar a família. Ele passou o resto da sua vida a defender a sua causa e a ser ignorado uma e outra vez pelo ditador português Salazar e a sua máquina política.

A única ajuda que recebeu foi da COMASSIS – organização de ajuda luso-judaica financiada pelo American Jewish Joint Distribution Committee, que alimentava a família Sousa Mendes na sua cozinha – e da Hebrew Immigrant Aid Society (HIAS), que ajudou alguns dos seus filhos a emigrar.

Aristides de Sousa Mendes faleceu na pobreza e na desgraça, no Hospital Franciscano de Lisboa, d foi sepultado com uma túnica franciscana por falta de roupas próprias. Mesmo até este amargo fim, sabia que agiu com humanidade em nome de milhares de pessoas inocentes e manteve a sua decisão de salvar as suas vidas.

“Eu não poderia ter agido de outra forma e, portanto, aceito tudo o que me aconteceu com amor”, disse.

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